Carga horária
Chegamos a mais uma quarta-feira, que é a sexta-feira dos senadores, e com isso decretamos, como de hábito, a semana praticamente encerrada. Hoje é o dia da maldade da classe trabalhadora que sabe que a escala 6 X 1 é esquema de pirâmide.
Portanto levantamos as taças nesse brinde precoce a tudo que aconteceu nos últimos três dias, que foi coisa pra cacete. A grande característica da era da hiperinformação é essa sensação do tempo tomado por mais coisas do que conseguimos processar, e na falta de espaço no HD pra suportar genocídio, incêndios criminosos e a volta do Oasis a gente trava legal.
Aproveito para lembrar que preocupações financeiras também são parte integrante desse caos multitarefa e essa newsletter pode ser feita com o coração mas também tem intenções pecuniárias. Com dez reais por mês ou cem por ano você já proporciona um alívio para meu espírito atormentado. Ah, e comprando meu livro também:
Bom, o que deu pra resumir nesse número da newsletter: falo de Pablo Marçal e da tentativa da esquerda de combatê-lo fingindo que ele não existe; resenho a favor da bobagem divertida que é “Fall Guy” e contra a situação do audiovisual no Brasil e na sua filial, o resto do mundo. E cartuns. Foi o que deu.
Método Vaca Amarela
Pablo Marçal é mais uma figura de extrema direita que surge no cenário político apesar do pacto de silêncio de uma parte da esquerda que jura que fenômenos do tipo são conjurados por um feitiço tipo Beetlejuice: só se a gente falar no nome do cara três vezes ou mais o sujeito passa a ter chances reais de ganhar eleição. Portanto a solução seria decretar regime de Vaca Amarela, com todo mundo fazendo boca de siri sobre o coach golpista até o hype passar.
Até hoje essa estratégia funcionou zero vezes.
Muitos fazem a objeção de que não deu certo porque um número significativo de desavisados do nosso campo político costuma ignorar o alerta e abre o bico para falar mal de quem quer que seja o novo queridinho dos conservadores. Pela minha experiência, fico na dúvida se isso faz sentido: geralmente sou apresentado a esses caras através dos milhares de pedidos para ignorar esses caras, quando via de regra esses caras já estão enormes.
Acho curioso porque a direita, que segundo vários desses mesmos analistas está ganhando a narrativa nas redes sociais, até porque se não costuma se apegar a tecnicalidades como por exemplo falar a verdade, nunca se abstém de citar o nome e postar a cara dos seus desafetos de esquerda. Os influencers conservadores estão sempre falando mal dos novos expoentes progressistas e não têm nenhuma preocupação com a divulgação dos seus nomes — de acordo que venham acompanhados de um enfoque negativo, real ou inventado.
Afinal, quem está certo: eles ou a gente com a nossa omertà de araque?
Lembro da palestra de um marketeiro político na disputa do segundo turno em 2018, falando sobre como a esquerda errou ao tratar o Bolsonaro como um adversário tão improvável e indigno de atenção que até no maior protesto contra sua candidatura, quando ela já era uma realidade sólida, se recusou a falar seu nome, no evento de triste memória chamado “Ele não”. Naquele momento já havia passado da hora de enunciar as coisas claramente — ele quem? Ele não o que?
É verdade que também é preciso saber como falar mal: boa parte dos ataques ao Pablo Marçal consiste em repostar conteúdo que achamos ultrajante e desabonador mas que se encaixa perfeitamente na imagem que ele quer passar. Lembro da gente ingenuamente repassando barbaridades do Bolsonaro na fé de que as pessoas teriam o bom senso de mudar de voto. Tempos mais simples.
Por isso a comoção na semana passada, quando a deputada Tabata Amaral postou um vídeo mostrando de forma bem didática a ligação de Marçal com o PCC, o tipo de conteúdo que gostaríamos de ver a campanha do Boulos usando em vez de memes sem graça lembrando pela enésima vez que o nome dele lembra um determinado item de confeitaria. Sem poder negar a autenticidade do material Marçal dobrou a aposta e disse que no Brasil o PCC é um parceiro de negócios inevitável, o que deve ter algum impacto negativo na sua candidatura (e se não tiver merecemos qualquer destino nefasto que se apresente).
A lição que fica é que o silêncio nem sempre é de ouro: falem mal, mas falem mal direito.
Arnaldo's crapbook
Meu caderninho de rascunho
Nessa seção falo de um filme (ou série, ou livro etc) que caiu bem e de outro filme (ou série, ou livro etc) que não bateu. Nem sempre vou tratar dos últimos lançamentos, principalmente no caso das coisas de que não gosto — porque o desagrado, assim como o Bolsonaro, precisa ser devidamente processado.
Hit me with your best shot
Bateu: “The fall guy” (2024)
Na seção “não bateu” logo abaixo vou reclamar um pouco da mania de Hollywood em requentar filmes e séries do passado para explorar premissas já testadas e a memória afetiva dos espectadores. Mas aqui vou justamente elogiar um desses projetos de encomenda safados — mas que, como dizem por aí (ou talvez seja só no ex-twitter, sei lá) serviu demais.
“O dublê” é adaptação para o cinema da série “Duro na queda” (ah os anos 80, essa teta que ainda dá leite) e conta as aventuras de Colt Seavers (Ryan Gosling), o cara que faz as cenas perigosas no lugar do galã Tom Ryder (Aaron Taylor-Johnson) um world class cuzão por quem a gente torce contra desde a primeira aparição e linha de texto.
Seavers é apaixonado por Jody Moreno (Emily Blunt), uma operadora de câmera que está prestes a estrear como diretora em uma superprodução estilo Mad Max que é uma paródia de todo filme feito sob medida para virar trailer de lançamento na Comic-Con. Depois de um período de separação após um acidente no set os ficantes se reencontram e tudo parece se encaminhar para uma reconciliação — se o dublê não tivesse que arriscar a vida atrás de Ryder, que desaparece no meio da filmagem.
A trama é muito previsível e feita para ser assim, já que é só um pretexto para o roteiro brincar com os clichês do gênero de ação e mostrar com alegria demente como é legal fazer cinema. É tipo um “A noite americana” do Truffaut só que com carros que voam e lanchas que explodem; e também é um comentário sobre a masculinidade tóxica e a mania dos homens de fazer joinha e dizer que está tudo bem quando na verdade o sujeito está machucado por dentro — e, no caso, todo escalavrado por fora.
Uma bela homenagem aos heróis anônimos da indústria mais egocêntrica do mundo — e a trilha sonora cafona é boa demais. Cotação: 👍🏼
Crise nas infinitas terras
Não bateu: Crise do audiovisual (2016 - 2024 e contando)
Meio óbvio botar na seção “não bateu” a crise do setor audiovisual da qual venho reclamando desde o primeiro número da newsletter enquanto trabalhador do setor e consumidor de conteúdo. Mas é inevitável, visto que boa parte das séries e filmes meia-boca que tenho largado no meio, ficando assim sem subsídios para criticá-los aqui nesse espaço, são fruto dessa crise. Como diz o Poze do Rodo, não tô entendendo legal não.
Resumindo a situação que o Adam Conover destrincha no vídeo abaixo (que é mais especificamente sobre a derrocada da TV americana): com as últimas fusões entre megaempresas de entretenimento, decisões que antes cabiam aos departamentos criativos subiram para instâncias da área financeira e muitas produções que hoje recebem sinal verde passaram a ter como missão principal devolver com lucros exorbitantes o investimento dos acionistas, em vez de conseguir sucesso de público por sua qualidade.
Essa nova diretriz acabou levando as corporações a diminuir o investimento geral, a derrubar projetos com conceitos mais ousados e a mudar inclusive o parâmetro de sucesso, que agora obedece a métricas que só os executivos dos canais parecem entender. Além disso, as companhias passaram a privilegiar projetos de sua propriedade intelectual, ou seja, com enredos e personagens que pertençam ao seu catálogo, para que possam espremer os dividendos até a ultima gota. Taí a explicação pra tanto remake, franquia, reboot, prequel etc.
No Brasil esse abalo sísmico global ainda encontrou uma terra arrasada por anos de ataque dos governos Temer e Bolsonaro, que não entendiam a cultura nem por um viés pragmático, como uma forma de fortalecer o país enquanto marca. Essa onda atingiu o cinema quando a produção nacional estava reencontrando seu público e foi fatal para TV e streamings, já que bateu em uma indústria quase recém-nascida — durante muitos anos praticamente só havia núcleos de teledramaturgia dos portões da Rede Globo para dentro — onde os talentos ainda estavam sendo mapeados.
E aqui há um agravante: o fato de que as gigantes do entretenimento exploram nosso mercado, um dos maiores do mundo no setor, sem precisar dar nenhuma contrapartida — e sem nem ao menos pagar imposto. Ainda por cima a extrema direita sentou em cima de um projeto de lei que poderia regularizar os streamings e o governo, como diz o meme, não faz nada.
Da próxima vez que sua série favorita for cancelada sem uma explicação decente ou você perder tempo tentando acompanhar tramas mal desenvolvidas onde a falta de estrutura e investimento fica evidente em cada frame, pense nisso.
Me convenceu a assistir O Dublê, já pode se considerar um influenciador 🙃
"funciona assim: o pablo marçal pede o seu voto e você dá" KKKKKK JURO