Mais uma edição da newsletter Semana praticamente encerrada, uma tentativa de reabilitar a quarta-feira, que é o brócolis dos dias da semana.
Sei que ainda estamos nos conhecendo mas no capitalismo tardio é assim, a gente pede pix antes do primeiro date, então estou suplicando a vocês que assinem a versão paga dessa newsletter — que é rigorosamente igual à gratuita, apenas vem acompanhada da sensação de plenitude proporcionada pela certeza de estar ajudando um artista.
Tô de sacanagem, só assine se você gostar, se souber que vocês estão assinando por pena começo a fazer propaganda do jogo do tigrinho. Aliás, falando em propaganda:
Sim, estou lançando uma coletânea de textos semana que vem (dia 25 de julho), na Janela Livraria, no Jardim Botânico, Rio de Janeiro, adivinha o DDD etc. Também só compre se você achar que vale a pena adquirir mais um repositório de ácaros e traças com caracteres impressos para a sua já vasta coleção de leituras sucessivamente adiadas.
E vamos ao resumo da edição: nesse quinto número de Semana praticamente encerrada falo sobre o caso Iza versus volante reserva do Mirassol; publico meu caderno de rascunhos e falo sobre o que bateu fundo em mim ao acompanhar o reality show “O sabotador” e o que não caiu bem em “The bikeriders”.
Por decreto
A cantora Iza revelou que foi traída durante a gravidez pelo seu (agora) ex-companheiro e gerou um debate extremamente saudável e dentro do tom, como todos os que são conduzidos na internet. Os primeiros a chegar na cena foram os defensores da não-monogamia tentando vender essa alternativa de vida como solução para toda desilusão amorosa, e logo na sequência surgiu a habitual moção de solidariedade da Luísa Sonza, que virou uma espécie de selo de verificação, o certificado Standard & Poor’s do chifre.
O fato de que o talento e a beleza de Iza são uma unanimidade e que o adúltero é um reles meiocampista defensivo reserva do Mirassol deu farto material para o povo que precisa relacionar qualquer experiência alheia à sua própria história, em um festival de lamentações estilo “se nem ela está a salvo, como será para nós reles mortais etc”. Muitos questionaram essa abordagem: se ela fosse um trubufu ou ele jogasse no Barcelona tava tudo certo?
Um dos grandes problemas dessa reação descalibrada da galera é que traição não é crime, mesmo com o agravante da paternidade iminente — esse caso afeta zero porcento das pessoas que não estão diretamente envolvidas. Não tem lição nenhuma pra tirar dessa história só porque os envolvidos são bonitos e famosos ou porque ela foi exaustivamente discutida em público.
No fim foi bom pros dois porque pra Iza foi um livramento e pro cara uma oportunidade, já que ele finalmente vai ter um emprego com remuneração decente, que é ser ex-namorado da Iza. Mas eu acredito que o affair joga luz sobre uma questão que finalmente está sendo abordada depois de anos fora do radar: a famosa e superfaturada autoestima do homem hetero.
O caráter quase endêmico da infidelidade masculina é um dos efeitos da forma como os homens são ensinados e estimulados a se situar no mundo, onde desde o berço existe uma promessa de protagonismo, como podemos ver até hoje na produção cinematográfica, apesar da gritaria toda vez que uma trama um pouquinho mais inclusiva ganha as telas. Até a pornografia insinua que qualquer homem que entre casualmente na vida de uma mulher — pode ser um entregador de pizza, encanador ou limpador de piscina — é um objeto de desejo em potencial.
Esse homem merecedor por decreto acha que tem direito a todas as mulheres do mundo, não importa qual seu lugar na fila do pão ou a posição do seu time na tabela do grupo de acesso. Todas as campanhas por empoderamento feminino nas últimas décadas não foram suficientes para reduzir essa lacuna de amor-próprio, e vai ser preciso botar o mesmo empenho em ações de desencorajamento para o sexo oposto: é preciso urgentemente obrigar os homens a baixar essa bolinha.
Arnaldo's crapbook
Meu caderninho de rascunho
Nessa seção falo de um filme (ou série, ou livro etc) que caiu bem e de outro filme (ou série, ou livro etc) que não bateu. Nem sempre vou tratar dos últimos lançamentos, principalmente no caso das coisas de que não gosto — porque o desagrado, assim como o Bolsonaro, precisa ser devidamente processado.
Companheiro fura-olho
Bateu: “O sabotador”, segunda temporada (2024)
Minha relação com reality shows sempre foi conturbada. Sendo um roterista e gostando de brincar de Deus e de criar universos, acho meio bizarro deixar ao acaso e na mão de uns anônimos a responsabilidade de gerar uma narrativa envolvente para tentar cativar a audiência por vários episódios. É claro que nos realities esse é mais o trabalho da turma da edição, os verdadeiros heróis desse esforço de guerra, mas deixa eu concluir a minha reclamação.
Levei anos para ver meu primeiro Big Brother, quando me contrataram para cobrir uma das edições, e logo entendi o apelo e o envolvimento emocional que o formato provoca — passei a torcer de verdade e dar bandeira nas redes sociais falando mal dos participantes de que eu não gostava. E por isso mesmo parei de acompanhar, porque percebi quão absorvente é o bagulho — o tempo gasto com esse hábito certamente ia comer uma boa parte das minhas horas de trabalho.
Mas “O sabotador” tem um sistema excelente, além de durar apenas dez episódios bem enxutos. No programa, um grupo de pessoas precisa cumprir uma série de provas para acumular o dinheiro do prêmio final, que vai ficar todo com o vencedor. Só que entre eles há um participante que trabalha para que as tarefas não sejam cumpridas, um sabotador — “the mole” do título, ou “a toupeira”, termo que conhecia dos livros de espionagem para designar os agentes infiltrados.
A prova eliminatória é sempre a mesma: os concorrentes precisam preencher um questionário sobre quem pode ser o sabotador, e o participante que errar mais questões volta para casa. Ou seja: todo mundo precisa trabalhar em equipe e ao mesmo tempo agir de forma a confundir os demais para induzi-los ao erro na hora de tentar adivinhar o nome do impostor.
Além disso a produção bota pra jogo vários elementos de discórdia, como imunidades e outros desafios que beneficiam único um participante sob o custo da perda de parte do dinheiro do prêmio. No fim tá todo mundo se odiando e ao mesmo tempo admirando o talento dos demais na arte da dissimulação. Infernal o bagulho.
Cinema sem causa
Não bateu: “The bikeriders” (2023)
Motoqueiros com jaquetas de couro são um fetiche desde antes de Kenneth Anger ligar a câmera para filmar “Scorpio Rising” (1964), e já renderam bons filmes como “O Selvagem” e “Sem destino” e séries como “Filhos da anarquia", mas aqui a parada derrapou. “Clube dos vândalos” é inspirado em um livro de fotografias e entrevistas publicado no fim dos anos sessenta pelo jornalista Danny Lyons, onde belos instantâneos são acompanhados por depoimentos dos membros da gangue Outlaws, caras que não sabem articular muito bem porque escolheram aquele estilo de vida, tirando repetir os mesmos vagos clichês sobre liberdade.
“Clube” cria uma história de ficção a partir desses registros, mudando o nome do clube para “Vândalos” e mostrando a disputa de Kathy (Jodie Comer) e o líder do bando Johnny (Tom Hardy) pelo coração e mente de Benny (Austin Butler) um rebelde sem causa e quase mudo que, sabe-se lá porque, Johnny quer como seu sucessor. Já a esposa Kathy não precisa se explicar muito, uma vez que o cara é o Austin Butler parecendo um cosplayer do James Dean fazendo cara de gostoso em cada frame.
Mas nem tudo é obra dos roteiristas: Mike Faist faz o papel do repórter Danny e alguns dos depoimentos são decalcados linha por linha das entrevistas que o fotógrafo fez para o seu livro. Talvez fosse melhor adaptar o estudo do Hunter S. Thompson sobre os Hell’s Angels, onde o autor elaborou as questões de masculinidade e desejo de violência de forma bem mais interessante, em um esforço de reportagem tão intenso que acabou com Hunter sendo espancado por vários Angels.
O filme encerra um hiato de quase uma década do diretor Jeff Nichols, de “O abrigo” e “Destino especial”, filmes com personagens bem desenvolvidos interpretados pelo ator Michael Shannon, que aqui faz o papel de um veterano da gangue com um solilóquio em que fala do seu ódio por estudantes que queimam convocações para lutar na guerra do Vietnã porque ele adoraria ir — apesar de ter sido rejeitado pelo exército depois te ter comparecido à seção de alistamento de ressaca e com sua aparência de pouco banho. Pois é, não dá para fazer um estudo de caso muito profundo com tipos como esse.
muito bom, mr. white! falando nisso, aquele still ali em cima com o sr. michael madsen é de onde mesmo…?! eu lembro, mas esqueci…