Alternativa razoável
As pessoas riram quando Mark Zuckerberg quis emplacar o Metaverso, e era para rir mesmo. Trinta mil reais pra morar na Marechal Hermes da cidade de mentirinha do cara, vai se fuder né.
Mas lamento informar que o Zucka vai vencer no final. A ideia de oferecer uma nova vida em um mundo virtual faz sentido — porque o plano dos tech bros é tornar a sobrevivência no mundo real tão impossível de bancar que a alternativa vai parecer razoável. Afinal, trinta paus não dá pra comprar nem um cativeiro em uma periferia de verdade. Os sinais de capitulação do ser humano estão em toda a parte, desde a adoção de bebês reborn até pessoas se apaixonando pelo ChatGPT.
Mas por enquanto ainda tenho planos de pagar contas neste plano físico, e portanto dou boas vindas aos potenciais assinantes pagos dessa newsletter (10 por mês, 100 por ano), por enquanto ainda gratuita. Mais gestos de solidariedade serão aceitos no pix arnaldo.branco@gmail.com ou através da compra do meu livro.
Nesse número falo de TikTokers que fazem cosplay de clichê; exalto “The studio” (pra quem acompanha essa newsletter lendo de verdade em vez de fazendo doomscroll: sim, mudei de ideia); lamento algumas coisas em “Better man”; faço cartuns e peço paciência.
Vencendo por W.O.
Então tem esse tipo de humor de TikTok em que um sujeito encara a câmera com uma legenda indicando que personagem ele está representando (“esquerdomacho” “cinéfilo” “tijucano”) e desfia uma série de clichês associados a cada um desses estereótipos. Os adeptos do gênero trabalham com diferentes graus de competência, mas o modelo já apresenta sinais de fadiga até mesmo nos aspirantes a humorista — uma profissão lamentavelmente não-regulamentada — que demonstram algum talento.
Nada contra o conteúdo, apesar de muitos dessas esquetes abraçarem a mesma redução rasteira e afetada que a gente costumava condenar nos pobres escandalosos do Zorra Total. Natural: circunscrever um determinado tipo social aos vícios do seu discurso não deixa muito espaço pra se ir mais longe depois. Talvez tivesse mais boa vontade com o formato se os traços de personalidade do tipo retratado fossem estabelecidos em situações cômicas mais elaboradas, mas aí eu estaria pedindo pro Malhassaum ser o Monty Python.
(Curiosamente um dos perfis do tipo que mais recebe críticas desde sua estreia — portanto antes até da saturação do formato — é o “Vida de Tina”, que acho mais bem escrito que os demais. Mas na verdade muitas das polêmicas causadas pelas atrizes responsáveis pelo canal surgiram da indignação de militantes que acham que o humor delas serve à direita, pra mim um indício de que é eficiente)
O índice de rejeição desse esse gênero de comédia pode ser explicado pelo tom de superioridade moral presente na performance dos humoristas, principalmente porque é muito fácil tirar sarro de um personagem unidimensional que você mesmo criou.
Mas essa não é uma tendência restrita às celebridades do TikTok. Podemos encontrar a mesma dinâmica nos debates na internet — seja nas threads em que se invoca a figura do pobre metafórico para afirmar quais seriam os reais anseios do povo quanto nos vídeos editados pelos políticos para parecer que massacraram seu oponente no plenário.
O importante é lacrar, não importa se é em cima de um adversário inexistente. O importante é ganhar mesmo que seja de W.O.
Arnaldo's crapbook
Meu caderninho de rascunho




Nessa seção falo de um filme (ou série, ou livro etc) que caiu bem e de outro filme (ou série, ou livro etc) que não bateu. Nem sempre vou tratar dos últimos lançamentos, principalmente no caso das coisas de que não gosto — porque o desagrado, assim como o Bolsonaro, precisa ser devidamente processado.
Foi mal, tava doidão
Bateu: “The studio” (2025)
Esse é a primeira resenha dessa seção que é publicada para retificar uma coluna anterior. Sim, estou escrevendo pra dizer que uma obra que eu botei no segmento “não bateu” agora bateu. Minha culpa, que me precipitei e escrevi minhas impressões sobre “The studio” quando só tinham dois episódios disponíveis na Apple TV. Pior que estou meio que cometendo o mesmo erro, já que resolvi corrigir meu parecer equivocado antes de deixar a primeira temporada terminar — mas é que sou ansioso. Recall de opinião você só vê aqui em Semana praticamente encerrada.
O que me desagradou à primeira vista continua lá: a exploração ad nauseam de uma única situação cômica em cada episódio e o personagem pateta do Seth Rogen (o executivo de Hollywood Matt Remick), que parece tomar as piores decisões de propósito para complicar o máximo possível a própria vida. Mas os problemas propostos melhoraram — ou foram mais bem explorados pelos roteiristas — e o desenvolvimento do arco dos personagens deixou tudo com mais cara de seriado e menos com jeito de apanhado de esquetes.
Por exemplo, o episódio em que Matt namora uma pediatra que trata crianças com câncer e entra em uma competição com os colegas dela sobre a importância da medicina em comparação com a arte é sensacional — principalmente porque é meio complicado chamar de arte o que ele está produzindo no momento, um filme sobre zumbis que infectam humanos através de jatos de diarréia. O capítulo com a paródia de “Chinatown” sobre um rolo de celulóide desaparecido e aquele em que ele tenta convencer a Zoë Kravitz a falar o nome dele em um discurso de agradecimento na cerimônia do Globo de Ouro também são pontos altos.
Talvez não tenha gostado da primeira vez porque botei a parada para rodar com expectativas altas e querendo que a série falasse mais sobre o momento delicado da indústria do entretenimento, me vingando de frustrações pessoais com o setor. Mas “The studio”, embora entre nesse terreno pantanoso, trata a crise com leveza e uma ponta de esperança em dias melhores — eu é que tenho que deixar de pressupor que a ficção vai dar alento pros meus problemas.
Já confirmaram que a série vai ganhar uma segunda temporada, portanto terei tempo e material pra me decepcionar de novo. Mas até aqui tudo bem.
Conte suas bençãos, Robbie
Não bateu: “Better man” (2024)
Tinha uma série documental no canal VH1 (uma tentativa nada discreta de imitar a MTV) chamada “Behind the music” que repetia a mesma fórmula para falar de todos os grupos e cantores pop biografados: caminho até a fama, auge da carreira, ponto baixo da trajetória, redenção. Não importa se o programa era sobre o Iggy Pop ou a Banda Carrapicho, eles arrumavam uma fase decadente no clímax da narrativa pro artista emergir renovado no epílogo — a coisa variava entre “teve uma overdose de heroína misturada com plutônio” e “brigou com a namorada”.
Lembrei disso depois de ver “Better man”, a cinebio do Robbie Williams que usa o curioso recurso de retratá-lo como um macaco através de efeitos especiais nem sempre muito convincentes, em uma metáfora que nenhuma parte do roteiro faz questão de explicar. Não é um filme ruim — me entreteve e fez bater pezinho em alguns hits — mas definitivamente os realizadores forçaram a barra para fazer a carreira de um cantor que fez fortuna aos vinte anos parecer minimamente acidentada.
Os grandes obstáculos na jornada do herói são o fato de 1) Robbie ter sido abandonado pelo pai quando criança e 2) sua imensa insegurança, representada por várias versões dele mesmo em diferentes estágios da carreira gritando o tempo todo no seu ouvido que ele não tem talento. É claro que drogas, bebida e relacionamentos complicados estão lá mas é o próprio filme que faz questão de tratar essas coisas como coadjuvantes dentro do grande drama da sua massacrante carência emocional.
Como ele resolve essas questões? Spoilers: 1) se apresentando em Knebworth para um público recorde onde a luta com seus medos internos é representada em uma cena de batalha campal (bem maneira até) com seus alter egos macaco roba-brisa e 2) fazendo um dueto com o pai, que era crooner e lhe apresentou a música de Frank Sinatra, Dean Martin e outros representantes da canção standard norteamericana.
Claro, “Better man” é um musical e tem belas cenas coreografadas feitas com CGI para apresentar as canções. Mas mesmo a melhor produção do gênero com o melhor repertório possível precisa de uma história cativante no meio para colar os números musicais — o que está longe de ser o caso aqui.
Durante todo o filme me peguei pensando que era muito chororô pra um sujeito que conseguiu deixar de ser a quinta parte de uma boy band (Take that, que ainda existe apesar da contradição conceitual de uma boy band de cinquentão) e virar um artista solo reconhecido no mundo todo. Como dizem os gringos, engole o choro e conte as suas bençãos.
Sobre o Zuck vencer, tem uma ficção científica que achei bem legal sobre essa "vitória" dos tech bros, em um futuro não muito distante. "Nada mais será como antes" que foi escrita pelo Miguel Nicolelis (aquele que construiu um exoesqueleto que permitiu um tetraplégico dar o primeiro chute na bola da copa de 2014, por meio da interface cérebro-máquina) traz um pouco desse futuro não-tão-distópico em 2036 e como esse mundo digital-elétrico estaria por um fio diante de uma tempestade solar.
Imagino que vc poderia gostar, apesar do título meio clube da esquina, é bem interessante e é um hard science distópico brasileiro, que dá uma oxigenada na sala das autobiografias lamuriosas da nossa literatura recente. Inclusive vai ser adaptado pro cinema em 2027, provavelmente não com recursos que uma produção de ficção científica merecia, mas ainda assim me anima. Queria que o roteiro fosse seu hehe
Ainda bem que vc mudou de ideia sovre O Estúdio, os episódios melhoram a cada semana. O do casting seguido desse último do Globo de Ouro foram sensacionais